Sintomas, causas e efeitos da dependência de videojogos

Os ecrãs impedem os jovens de desenvolver empatia e sem ela as sociedades são “brutais”.

Boris Cyrulnik, 2019

 

Embora ainda não tenha sido reconhecido pela Associação Americana de Psicologia (DSM 5, 2013) como uma perturbação diagnosticável, o vício e dependência dos videojogos foi classificada em 2018 pela Organização Mundial de Saúde (ICD-11) como sendo uma doença mental.

Esta perturbação é definida no (ICD-11) como um padrão de comportamento de jogo (“jogo digital” ou “videojogo”), com uma duração de pelo menos 12 meses, caraterizado por: falta de controlo relativamente à ação de jogar, a qual tem prioridade sobre outros interesses e atividades diárias; a pessoa continua a jogar mesmo quando há consequências negativas; e o jogo acarreta sofrimento e prejuízo significativos ao nível das áreas pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou outras áreas importantes de funcionamento.

Podendo referir-se a jogos online ou offline, é possível identificar dois tipos principais de perturbações, em concordância com os dois principais tipos de videojogos, nomeadamente os jogos individuais e os jogos com multijogadores. De facto, os videojogos são geralmente concebidos para serem jogados por um único indivíduo e envolvem um objetivo ou missão claros. Neste caso, a dependência geralmente está relacionada com o completar essa missão ou alcançar uma pontuação alta ou um nível predefinido.

Por outro lado, existem videojogos que envolvem múltiplos jogadores, ou seja, estes jogos são jogados online com outras pessoas e são especialmente viciantes, pois geralmente não têm um fim. Os jogadores com esta dependência gostam de criar e de se tornarem temporariamente uma personagem online e, como uma fuga da realidade, costumam construir relacionamentos com outros jogadores online. Para alguns, esta comunidade pode ser o lugar onde eles se sentem mais aceites.

Como acontece com qualquer outro vício, a dependência dos videojogos também tem sinais de alerta e sintomas que devem ser reconhecidos e que, de acordo com o Illinois Institute for Addiction Recovery, podem ser tanto emocionais como físicos.

Alguns dos sinais ou sintomas emocionais da dependência dos videojogos incluem: sentimentos de inquietação e/ou irritabilidade quando não podem jogar; preocupação com aspetos associados à atividade online anterior ou antecipação da próxima sessão online; mentir aos amigos ou familiares relativamente à quantidade de tempo despendido a jogar; isolar-se das outras pessoas para poder ter mais tempo para jogar.

Quanto aos sinais ou sintomas físicos da dependência dos videojogos, são referidos: fadiga; enxaquecas devidas à concentração intensa ou cansaço ocular; síndrome do túnel do carpo causada pelo uso excessivo de um controlador ou rato do computador; má higiene pessoal.

Tal como qualquer outra perturbação compulsiva, a dependência dos videojogos pode ter consequências negativas graves. Assim, não obstante a maioria dos sintomas referidos acima tenha efeitos a curto prazo, eles podem conduzir a repercussões mais graves a longo prazo se não forem tratados adequadamente. Por exemplo, alguém viciado nos videojogos geralmente evita dormir ou comer refeições adequadas para poder continuar a jogar. Enquanto os efeitos a curto prazo possam incluir fome e cansaço, a logo prazo este comportamento pode levar a perturbações do sono ou problemas de saúde relacionados com a alimentação.

Da mesma forma, aqueles que se isolam dos outros para jogar videojogos podem perder eventos familiares, saídas com os amigos ou outros eventos a curto prazo. No entanto, se o comportamento se perpetuar, e se tornar um padrão por um longo período de tempo, estas pessoas podem ficar solitárias e sem amizades.

Outros efeitos a longo prazo da dependência dos videojogos a considerar são as consequências financeiras, académica e ocupacional. De facto, os videojogos e os respetivos equipamentos podem ser muito caros, especialmente quando são considerados custos recorrentes, como a conexão à Internet de alta velocidade, necessária para jogos multijogador online. Por outro lado, estes jogos também podem consumir muito tempo, deixando os jogadores dependentes com menos tempo para se concentrarem em sua educação ou carreira.

É nesta linha que Boris Cyrulnik nos refere que a ligação que muitos jovens (e não só) estabelecem hoje com os ecrãs omnipresentes o preocupa, pois há consequências negativas. “Os jovens que passam mais de três horas por dia em frente a ecrãs mexem-se menos, encontram-se menos com os outros, têm mais depressões e, sobretudo, param o desenvolvimento da empatia — a aptidão a descentrarem-se de si próprios para conseguir a representação do mundo mental dos outros.”

De acordo com Cyrulnik esta ausência de empatia manifesta-se no modo como as pessoas não estão atentas aos outros, pois ao se isolarem e centrarem sobre si mesmas, em parte por estarem presas aos ecrãs, não aprendem ou aprendem mal os rituais de interação social. Como exemplo, Cyrulnik recorda um rapaz que, no hospital, após a morte de uma pessoa da família e enquanto os outros familiares choravam, ria a olhar para alguma coisa no telemóvel.

Em síntese, uma sociedade com menores níveis de empatia é necessariamente mais perigosa e brutal. Por isso, defende que é necessário desenvolver uma “pedagogia da empatia”, a qual deve ser implementada na escola com o objetivo de explicar que “não nos podemos permitir tudo”. De facto, para Cyrulnil a empatia é sermos capazes de nos colocarmos no lugar do outro, mas é também a base da moralidade — ajuda a perceber que nem tudo é possível.

Para alcançar este objetivo o papel parental tem naturalmente um grande relevo, motivo pelo qual são de seguida sugeridas algumas pistas que poderão ajudar as famílias a diminuir ou eliminar a dependência dos videojogos.

  • Fale com o seu filho para refletir sobre os videojogos em – Explique-lhe que os videojogos são um entretenimento ou um passatempo, e não o importante da vida. Faça-o estar ciente de que o sucesso no mundo dos jogos é virtual ou imaginário, e não tem nada a ver com o sucesso da vida real.
  • Determine um tempo razoável para o seu filho jogar, estabeleça regras específicas relativamente ao tempo limite de jogo e seja firme em relação a isso – Um bom tempo seria uma hora nos dias de escola e 2 a 3 horas, no máximo, nos fins-de-semana e nunca 30 minutos antes de se deitar. Qualquer que seja o tempo que lhe for permitido jogar é fundamental que este seja cumprido. Se for indulgente de vez em quando o seu filho deixará e levar a regra a sério.
  • Crie consequências para o caso de as regras não serem seguidas – Pode proibir o seu filho de jogar durante um certo período de tempo se ele exceder o limite de tempo. É importante que o seu filho saiba que essa será a consequência se não cumprir a regra.
  • Torne o tempo de jogo uma recompensa – Pode permitir que seu filho jogue nos dias de escola se ele mantiver certas notas ou realizar os deveres escolares, caso contrário, ele só poderá jogar nos fins-de-semana, ou permitir que o seu filho jogue apenas se tiver realizado as suas tarefas.
  • Acompanhe o tempo de jogo do seu filho – Os jogos, especialmente os grandes, são concebidos para serem imersivos e o seu filho pode perder a noção do tempo enquanto está a jogar. A maioria dos jogos também atrai o seu filho para continuar a subir de nível e isso também pode deixá-lo tão envolvido que perde a noção do tempo. Registrar o tempo de jogo do seu filho pode servir para o alertar relativamente ao tempo que despende a jogar. Se for excessivo, pode ser um sinal de alerta que o motive a reduzir o ritmo.
  • Use ferramentas para definir limites para o tempo de jogo – Pode ser um simples cronómetro de cozinha ou, em caso de não funcionar, pode ser um temporizador que desligue automaticamente o computador após um determinado período de tempo. Pode também permitir que o seu filho jogue apenas com pessoas específicas ou que compre apenas jogos específicos. Escolha jogos que possam ser jogados em curtos períodos de tempo.
  • Coloque a consola de jogos ou o computador do seu filho onde você o possa ver – Isso fará com que ele saiba que você está a monitorizar o tempo de jogo e poderá verificar se ele está a cumprir o tempo definido.
  • Proporcione ao seu filho outras atividades divertidas e que podem até ser importantes na vida real – Podem ser atividades físicas, como andar de bicicleta ou correr, ou menos físicas, como ler, aprender a tocar um instrumento ou sair com amigos.
  • Envolva os irmãos ou os amigos do seu filho para o ajudarem a afastar o jogo da mente e dedicar-se a outras atividades divertidas.
  • “Corte o mal pela raiz” – Na pior das hipóteses, quando o seu filho se torna disfuncional no seu vício pelo jogo, pode bloquear o jogo ou desinstalá-lo do computador até que ele perceba que pode viver sem os videojogos.

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